Monday 3 March 2008

ÍNDIA

Himachal Pradesh - Odder - Demchog
A fome e sede, os perigos das torrentes velozes e das gélidas tempestades de neve, a dor de contorcer-se debaixo de pesados fardos, a ansiedade de deambular por regiões selvagens sem caminhos, a exaustão e as lacerações, todos os problemas e sofrimentos que eu mesmo agora atravessei, pareceram poeira que foi arrastada ao lavar e purificada pelas águas espirituais do lago; e assim atingi o plano espiritual do Não-Ego, juntamente com este cenário que mostrava a sua Realidade Própria.
Ekai Kawaguchi, circa 1900, in “A mountain in Tibet” by Charles Allen

From time to time God causes men to be born – and thou art one of them – who have a lust to go abroad at the risk of their lives and discover news – today it may be of a far-off thing, tomorrow of some hidden mountain...
Rudyard Kipling in “Kim”

Depois do vento parar, vejo uma flor cair. Por causa do pássaro que canta, encontrei a calma da montanha.
Poema Zen in “Zen Mind, Beginner´s Mind” by Shunryu Suzuki



A noite nunca foi tão escura, a chuva tão pesada nos nossos ombros e o medo tão fortemente perturbador. Assim, a escuridão cobre a nossa lucidez, os nossos passos desviam-se do caminho, podemos rezar pelas nossas almas perante a omnipotência da Natureza e a magnificência de Deus, nunca nos sentímos tão fracos nesta noite negra. Quando a luz do dia desvanecia, demónios podiam ser vistos no pátio, fitando-nos, demónios budistas coloridos como nas pinturas tibetanas. Milhares de fantasmas assombram a nossa vista, com um olho maléfico e dentes compridos e afiados, assustando a nossa frágil racionalidade.

Vi Demchog caminhar de mão dada com a loucura humana.



Tenzin impressionava-se com esta imagem e costumava olhar para mim com uma curiosa cara espantada, ela também estava a assustar-se.

A tempestade, ou mais exactamente a sucessão de tempestades, durou a semana toda, com chuvas pesadas e ventos fortes, a luz ia abaixo constantemente, durante longos períodos de tempo intermináveis. Durante estas alturas, estávamos completamente à mercê da natureza. Senti que quase nada nos podia proteger contra as forças da natureza. Imagino viagens de barco nos tempos antigos, imagino viver na escuridão total. As monjas tinham um armazém de velas que elas distribuíam em tais ocasiões.

Ao fim da tarde, podíamos ouvir estranhos gritos de animais, que se assemelhavam a risos humanos e que me lembravam hienas ou cães loucos. A princípio, estava impressionado com estes gritos estranhos, soavam como gritos humanos que vinham dos campos vizinhos, mas não conseguia localizar donde exactamente. Eram tão humanos que estava a dar-lhes bastante atenção. Em realidade, falaram-me mais tarde, de cães selvagem ou uma espécie de raposa como aquelas que eu avistei no pátio, assustadas comigo, os olhos brilhantes, reflectindo o projector que tinham instalado no piso de cima, dando a impressão de uma má imagem, de muito má qualidade.

Uma semana de chuvas pesadas e temporais, a luz foi cortada uma infinidade de vezes, acaba-se por viver no escuro, à luz da vela. Uma noite, a noite em que foi visto na escuridão, Demchog, a divindade irada de cor preta com muitos braços, e um colar de crânios humanos à volta do pescoço, isso depois de uma das minhas aulas, uma das minhas mais novas alunas ter desmaiado, de ter desfalecido no chão e daí num profundo coma, rasgado por uma espécie de crises epilépticas ou histéricas, possuída pelos seus próprios demónios. Inconsciente durante vários dias, ela esteve acordada apenas umas horas, o coma perturbado pelas estranhas convulsões, erguendo o tronco na cama. Gritava pela mãe, amarrava o estômago e sofria terríveis dores tanto físicas como espirituais.

No hospital de Dharamshala, disseram às Chomos de que ela sofria do coração, depois de longamente examinada. Penso que não encontraram explicação nenhuma para o sofrimento dela.



Como ela agarrava o estômago ou mais precisamente o espaço debaixo do esterno, onde a caixa torácica começa, isto com ambas as mãos, podia-se pensar que um dos chacras estava desequilibrado. Algo relacionado com um trauma passado. Viria a ser verdade, visto que me disseram mais tarde que viu a mãe morrer em criança.

Ela mantinha-se deitada na cama, rodeada pelas outras monjas, elas recitavam preces enquanto as amigas mais próximas, seguravam nela e tentavam acalmá-la quando erguia a parte superior do corpo. Isto durou uns tempos até se tornar “usual”, quero dizer, levá-la ao hospital durante as piores crises e trazê-la de volta para o instituto quando a medicina não conseguia encontrar algum remédio. Elas estavam a pensar trazer um lama de alto nível, um destes eruditos em ciência tibetana ou magia, como eles são todos depois de uma certa idade, mas não o fizeram, não sei porque razão.

Thubten veio às minhas aulas hoje, pela primeira vez desde os seus ataques. Ela parecia pálida e terrivelmente mal mas está a recuperar.

1 comment:

Anonymous said...

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