Tuesday 24 July 2007

Nyima

O testemunha de Nyima:
Monja e ex-preso político

Nyima originalmente de Yul-Nga Village, Tsang Shar no condado de Phenpo, na Região Autónoma do Tibete, é monja no mosteiro de Phenpo Podo. Depois de ter completado cinco anos de encarceramento na prisão de Drapchi, foi libertada em Março de 1999. Ela passou os seguintes três anos a tentar recuperar da tortura inhumana e mau tratamento que ela sofreu. Ela ficou hospitalizada vários meses até os custos se tornarem demasiado altos para a família dela suportar, e teve que recuperar em casa.

Para Nyima e os amigos dela, a vida fora da prisão para presos políticos era demasiada onerosa para tolerar, estando sob constante vigilância do Gabinete de Segurança Pública (PSB - Public Security Bureau). Além do sofrimento pessoal, todos os amigos deles se tornaram alvos de escrutínio e intimidação. Sem outra escolha possível, no dia 9 de Março de 2004 Nyima, começou a sua viagem tortuosa para o exílio deixando amigos e família atrás. Nyima juntou-se a uma grupo de amigos tibetanos, e caminharam através os Himalayas para o Nepal, movimentando-se apenas de noite a fim de não ser vistos pelas forças chinesas. A viagem demorou quase um mês. No dia 20 de Abril de 2004, Nyima alcançou Dharamsala, o local onde se encontra a sede do governo tibetano no exílio.

Nyima relatou ao Centro Tibetano para os Direitos Humanos e Democracia (TCHRD), numerosas torturas e tratamentos inhumanos que ela e os seus amigos sofreram no centro de detenção e na prisão.

Abaixo segue a curta transcrição do seu relato:

Em Setembro 1993, eu e os meus amigos fomos expulsos do mosteiro, segundo as directivas das autoridades locais, que proibem todas as monjas de menos de 18 anos de ficar e estudar no mosteiro. Afim de fazermos ouvir as nossas opiniões, eu juntamente com dois dos meus amigos, decidímos tomar uma iniciativa que iria mudar as nossas vidas para sempre. No dia 19 de Março de 1994, partímos clandestinamente para Lassa para protestar contra a opressão religiosa. À chegada a Lassa na manhã de 21 de Março, seguímos para o mercado de Barkhor e gritámos slogans durante 15 minutos, até que quatro oficiais enfiaram luvas de couro nas nossas bocas e imediatamente nos deteram. Ficámos, primeiro, presos na esquadra de polícia, e depois forçados para um forgão que nos transportou para o centro de detenção de Gusta. A caminho de Gusta fomos violentamente espancados.

Afim de obter informações sobre quaisqueres instigadores externos envolvidos nas nossas acções, os oficiais tentaram forçar-me a confessar o meu crime e a aceitar os "erros" que eu tinha cometido. Durante cada uma das sessões do interrogatório, recusei responder às questões deles e não admiti que estava a cometer um crime. Era da minha opinião que os chineses tinham cometido o crime e que infringiram os meus direitos humanos pessoais. Eu não ia admitir coisa nenhuma, mesmo ao custo da minha vida. Se eu tivesse feito isso, eles teriam ganho. Por isso, tive que suportar tortura intensa.

Cada dia do interrogatório, as mesmas perguntas foram colocadas repetidamente e continuamente, e cada dia recusei responder. Os oficiais chineses usavam quaisquer ferramentas que lhes estavam à mão - geralmente cadeiras, cintos, botas e muros. À medida que os interrogatórios continuaram, a tortura tornou-se pior. Eu era repetidamente queimada com cigarros acesos, deitaram água a ferver por cima do meu corpo, e enfiaram-me paus de madeira na minha boca. Eu ainda recusava confessar que tinha cometido algum crime. Depois de seis meses de interrogatório diário e tortura, fui oficialmente acusada e condenada. Nunca tive acesso a representação legal e a qualquer espécie de julgamento. Pelo meu "crime", recebi uma sentença de cinco anos de prisão com três anos de privação de direitos políticos. Eu e os meus amigos, continuámos detidos no centro de detenção de Gusta durante um ano e cinco meses. Em Agosto de 1995, fomos transferidos para a prisão de Drapchi. Ao chegar à prisão de Drapchi, foi-nos obrigados a estudar as regras da cadeia e os seus regulamentos. Depois de uma semana, era suposto eu ter memorizado o texto inteiro para recitá-lo à frente dos oficiais.

Eu não li nem decorei o texto, pois eu sabia que não tinha cometido nenhum crime. Como resultado, fui forçada a ficar no exterior e fixar o sol durante horas sem me mexer. Frequentemente, os guardas colocavam uma malga de água na cabeça e jornais entre os joelhos, e debaixo dos meus braços, para se certificarem de que não mexia. Se algum dos objectos caísse ao chão, eu era espancada. Fixar o sol durante horas a fio, causa à pessoa, tonturas, vómitos e perda de consciência. Cada vez que isso acontecia, eu era espancada. Esta forma de tortura durou dois meses.

Depois de dois meses a fixar o sol, eu e 63 outros prisioneiros fomos forçados a aprender exercícios militares, tínhamos muitas vezes de caminhar em uníssono perfeito, num estado semi-faminto. A cada vez que o exercício não era completado perfeitamente, o indivíduo era espancado. Isto continuou durante quatro meses.

Eu recusei mais uma vez em aprender frases auto-incriminadoras que aceitava os meus erros, e que trabalharia para reformar a minha mente. Em vez disso, repetí slogans de direitos humanos e de pro-independência. Por este acto de desafio, todos os meus privilégios de visitas foram cortados, e quatro guardas batiam-me sistematicamente. Os guardas referiam-se às sessões como "jogar futebol", e eu era a bola. Os guardas mantinham-se em posição de quadrado e ela tinha que caminhar para cada guarda, assim eles podiam deitá-la ao chão com pontapés.

Eu endurei uma particularmente brutal táctica de tortura, quando eu e vários outros presos fomos forçados a mantermo-nos pés descalços sobre gelo sem mexer. Ao fim de várias horas de dores dilacerantes, os nossos corpos ficavam completamente adormecidos. Nesta altura, uma mulher guarda veio usando saltos altos e calcou os pés gelados de cada uma das mulheres. Ao fim da tarde fomos forçados a retirar os pés do gelo, arrancando as solas dos nossos pés e deixando o gelo em sangue. Éramos colocadas ao sol, o que causava o aquecimento dos nossos nervos e sujeitando os nossos corpos mais uma vez a dores extremas.

No terceiro dia do ano novo tibetano de 1997, os dois quarteirões das celas femininas, consistuídos por presos políticos e criminosos, foram trazidos para o pátio da prisão de Drapchi a fim de cantarem canções de louvor a Mao Zedong e ao partido comunista. Assim que uma detida criminal feminina começou a cantar a canção, Jamdron e eu pusemo-nos de pé e começamos a cantar uma canção em louvor ao Dalai Lama e a um Tibete livre. Os guardas da prisão amarram-nos imediatamente e arrastaram-nos para o escritório mais próximo. Continuámos a cantar em forma de provocação, até sermos espancadas para nos submetermos. Nessa altura, todos os presos políticos no pátio recusaram manter-se até sermos libertadas. Infelizmente, uma unidade de oficiais chegou imediatamente a fim de calar o protesto das mulheres no pátio. Fomos depois espancadas com bastões eléctricos e postas inconscientes. Acordámos quando os guardas nos atiraram água para a cara, apenas para nos baterem outra vez.

O incidente atirou-nos para o encarceramento solitário durante mais de um ano. Fomos mantidas em celas pequenas, escuras e alimentadas com um "ravioli" e uma malga de água por dia, e não nos deram nem roupa, nem cobertores para nos protegermos do incrivelmente frio inverno tibetano.

Após um ano, mantida em solitária, fui colocada numa cela com Jamdron por mais oito meses. Não conseguimos nos reconhecer à primeira vista, por termos emagrecido terrivelmente durante a detenção. Passados oito meses, regressámos às celas com o resto dos presos políticos. Três meses depois, em Março de 1999, após cinco anos de encarceramento, fui libertada da prisão de Drapchi.

in "Kuxing: Torture in Tibet. A special report" by the Tibetan Centre for Human Rights and Democracy

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