Tuesday 24 July 2007

TORTURA NO TIBETE

A prática da tortura contra presos políticos tibetanos tem sido endémica e grave. A prevalência da tortura no Tibete é, em muitos casos, o resultado de um sistema tirânico que persegue aqueles que exercem os seus direitos humanos fundamentais de maneira pacífica. Abusos graves, golpes e tortura inflingida pela polícia, e outras organizações de segurança, são o mais evidente na fase inicial da detenção, quando a intenção é de extrair confessões à presos ou suspeitos.

Tais práticas têm sido usadas como um método de repressão, desde a ocupação chinesa do Tibete em 1959. Durante os anos 80 e 90, é sabido que dissidentes políticos foram perseguidos, e que os seus direitos violados pelas autoridades, a vários níveis. A emergência do activo, no entanto pacífico, movimento político dentro do Tibete, no final dos anos 80, com a consequente detenção de líderes e repressão massiva com uso excessivo de força, resultou na detenção de milhares de tibetanos, e nas mortes de várias centenas de tibetanos. A década passada também registou um acérrimo aumento na imposição e uso da pena de morte na China.

O TCHRD (Tibetan Centre for Human Rights and Democracy - Centro Tibetano para os Direitos Humanos e Democracia) registou o conhecimento das mortes por tortura, de 88 presos políticos desde 1987. Na maior parte dos casos, a causa das mortes permanece não registada. Todos estes tibetanos morreram, ou em custódia chinesa, ou pouco depois de terem sido libertados da prisão, em muito pobre condição de saúde devido à tortura. Fica evidente, das testemunhas, que a negação de atenção efectiva médica, a tempo, foi uma das causas principais das mortes dos presos políticos.

A seguir, estão alguns casos de evidência perturbadora de que a tortura de presos no Tibete continua, um grande número de casos resultando na morte em custódia, ou depois de terem sido libertados por causa de condição médica próxima da morte. A tortura tornou-se profundamente enraízada no Tibete como preço que os activistas têm de pagar.

Nyima Drakpa, 29, um preso político de Tawu, Kardze, morreu em casa no dia 1 de Outubro de 2003. Nyima Drakpa estava a cumprir uma pena de prisão, foi libertado no princípio de Setembro por causa de condição médica. Ele estava a sofrer de graves complicações de saúde, na altura da sua libertação do Centro de Detenção da região de Tawu. Ele morreu como resultado da tortura inflingida na prisão.
Nyima Drakpa foi para a Índia em 1990 e ficou três anos num mosteiro no Sul. Em 1994, ele voltou para o seu mosteiro no Tibete onde ele ficou até fugir para Lhasa, na imediação da sua detenção por causa da sua posição pro-independência. Drakpa foi detido em Maio de 2000 e setenciado a nove anos de encarceramento com a acusação de "pôr em perigo o estado" e "incitamento contra as massas" em julgamento à porta fechada no dia 5 de Outubro de 2000.

Foi relatado que Drakpa foi tão severamente torturado que ambas as pernas foram partidas, e que ele nem sequer conseguia se manter correctamente de pé. Ao que parece, ele precisava de ajuda dos seus companheiros para ir à casa de banho.

Sobressai dos relatos de Nyima que ele era repetidamente torturado, e que ele sabia que a morte estava iminente para ele, e no entanto lutava desafiador com os seus opressores.

Abaixo segue a tradução do seu testemunho, escrito originalmente à mão em tibetano por ele e assinado no dia 1 de Abril de 2001.

À Sua Santidade o Dalai Lama, e todos os companheiros tibetanos irmãos,
meu nome é Keri Nyima Drakpa e sou um jovem tibetano do condado de Tawu da região de Kham no Tibete. Como diz o provérbio: "Apesar de pequena, uma marmota tem os seus atributos físicos por completo", similarmente, bem que não sou nenhum erudito cheio de sabedoria, ou um homem conhecido pela sua saúde, sou alguém com amor ilimitado e preocupação pela minha própria nacionalidade. Eu sempre estive preocupado com, e pensando nisso, o estado de atraso da nossa nacionalidade e que sob a opressão das autoridades, não temos sequer o direito de usar a nossa própria língua. Isto representa uma negação dos direitos humanos e priva-nos de qualquer grau de autoridade política.

Quando da mesma maneira, estudei e absorbido os gloriosos relatos históricos de como os nossos antepassados exerceram autoridade política e dirigido o país, tomei a firme resolução, que se necessário, eu definitivamente sacrificaria a minha própria vida para o bem da minha nacionalidade. Assim, com sinceridade não fingida, esperando que todos os meus companheiros tibetanos pudessem usufruir liberdade, e esperando desesperadamente que um país tibetano separado pudesse ser estabelecido, escrevi muitos posters apelando a que, "Todos os chineses deveriam voltar para as suas vilas natais e permitir ao Tibete de ser independente." Eu coloquei-os nos muros dos prédios do governo distrital...

No fim de cada poster assinei o meu nome claramente. No entanto, o azar fez que, antes que tivesse conseguido um único objectivo, a minha preciosa vida pareceu ser condenada a terminar nas mãos dos crueis e repressivos chineses.

O ano passado, no dia 22 de Março, quando eu estava em Lhasa, quatro membros do PSB (Gabinete de Segurança Pública) chegaram e deteram-me imediatamente. Desde o princípio, sem mesmo me perguntar uma única pergunta, eles começaram a bater-me como se "bate" num tambor e puseram-me incapaz de pronunciar uma única palavra. Nem me deram nem uma mão de comida, e nem uma gota de água para beber, e imediatamente levaram-me num avião de volta para Chengdu. À chegada em Chengdu, deixaram alguns oficiais chineses baterem-me. Estas reincarnações do demónio preto em pessoa, na forma dos quadros chineses, agarraram-me ao chão e bateram-me com tanta falta de piedade que me deixaram meio morto, meio vivo. Na altura, fiquei inconsciente. Quando voltei a estar consciente, eram onze da noite. Senti que o meu corpo inteiro estava a doer atormentadamente e que era impossível mover correctamente. Realisei que as minhas duas pernas estavam adormecidas e desprovidas de qualquer sensação. Dez dias depois de termos chegados a Tawu, começaram a interrogar-me. Apesar da dor intensa e atormentadora em todo o meu corpo, consegui dizer-lhes exactamente tudo no qual eu profundamente acreditava e o que sentia no meu coração, e fiz-lhes saber que eu tinha de facto, escrito todos aqueles posters.

Por isso, o ano passado no dia 5 de Outubro, o tribunal da prefeitura de Kardze, sentenciou-me à uma pena de prisão de nove anos. No entanto, estou agora em tal estado decrépito que eu nem sequer uma mão de comida posso comer, e as minhas pernas também foram tornadas inúteis pelos crueis chineses. Por isso, sei que dentro em breve vou morrer. Eu não tenho certamente medo nenhum de morrer.

Como o último sopro da vida deste tibetano de cara de rufia está prestes a cessar, deixem este apelo ser entregue ao meu tio materno, Jowo Kyab, ou a companheiros irmãos tibetanos que prezam e avaliam o interesse e a causa da nossa nacionalidade tibetana, para assegurar através dos bons ofícios da Sua Santidade o Dalai Lama, que o cruel tratamento da China e punições legais a tibetanos como eu seja dado a conhecer à comunidade internacional do mundo. E além disso, apelo aos meus irmãos companheiros tibetanos com quem partilho a mesma carne e osso, vocês devem saber e perceber a verdade acerca de como a China nos maltrata através de acções sem reserva de repressão, ilegais e imorais. Devemo-nos unir a todo custo e erguer-nos contra a China.

Keri Nyima Drakpa
Datado do 1 de Abril de 2001

in "Kuxing: Torture in Tibet. A special report", The Tibetan Centre for Human Rights and Democracy

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