Wednesday 12 August 2009

ÍNDIA

Dalhousie
Ouvia-se um canto Qawali quando deixei Dalhousie. Calmo sem percussão, apenas com uma voz triste e harmónio. Vinha da vila que se pendurava na encosta agreste. Podia-se ouvir por cima dos topos das montanhas.



A jornada de Patankhot para Dalhousie, através de uma mudança repentina de paisagem, deixa as planícies quentes e áridas indianas, para uma subida abrupta que mais tarde atinge os 2000m. Consegue-se ver a imensidão da planície indiana mas também a aridez da mesma que mais se assemelha com a ideia geral da paisagem indiana. Esta contrastante ruptura com o aparecimento dos férteis sopés que se tornam altas montanhas, marca o princípio, o nascimento do sistema himalaico. À medida que se vai subindo, a paisagem transforma-se em florestas alpinas de cor verde escuro, um alívio do calor da poeira do deserto punjabi, como se finalmente, alguém removia dos meus ombros este fardo ardente.

Fizemos uma paragem momentânea em Dunera, um minúsculo ponto no caminho. Não era um sítio de grande interesse, mas ficou-me uma impressão agradável de sumos de laranja e odores de sementes de chili por entre os vendedores de rua.

Encontravam-se cristãos locais no autocarro, uma raridade nestas paragens. Lembrei-me da crucificação, e do sangue nas palmas, ardiam cristãos e ouviam-se solos de alaúde. Quando os rapazes perguntaram por ele, responderam de maneira tosca, brincando com nozes de bétele.

As mansões coloniais britânicas pareciam estar repletas de fantasmas e de teias de aranha, e talvez de ratos e correntes enferrujadas. Algumas abandonadas num estado sujo de avançada putrefacção.

Um fulano agarrou-me pelo braço na estação e trouxe-me até uma espelunca relativamente agradável, onde eu iria acabar por permanecer alguns dias. Bons preços podem ser combinados durante o Inverno, após o fim da estação turística. Deram-me uma varanda com vistas para as abruptas encostas alpinas, e mais interessante ainda, com cadeiras.



Isto tudo está realmente a acontecer neste preciso momento num lugar distante, sempre pensei que era um conto que se lia em livros ou se via em filmes, mas está realmente a acontecer, e vive algumas infinidades de realidades num só mesmo momento.

Durante as primeiras horas em Dalhousie, caí no que eu chamo o dilema do viajante, a pergunta estúpida “o que é que estou aqui a fazer?” estava constantemente a irromper na minha cabeça. Cedo, na manhã seguinte, tive a resposta. De Ghandi Chowk, mesmo no meio da praça pública, podia ver a linha do horizonte, ou melhor, os cumes repletos de neve do Pir Panjal, que formavam uma barreira natural escondendo da minha vista o Caxemira e Jamú.

Estes mitológicos jardins ficavam proibidos para mim (e para outros) por causa do beco sem saída político criado após a partição sangrenta. A televisão indiana mostrava mortes todos os dias nos noticiários, quatro, cinco separatistas abatidos hoje, os corpos mortos alinhados às botas dos soldados em turbantes. Repara-se que apenas um por cento desta informação acerca da guerra no Caxemira chegava ao ocidente. Mesmo assim, todos os dias …

Em Dalhousie, podem ver-se coloridos baixos relevos religiosos, esculpidos pelos tibetanos no caminho que leva até Subbash Chowk, Padmasambava e outros budas, e heróis, no caminho onde abundam legiões de macacos selvagens.

Os tibetanos têm um mercado em Ghandi Chowk que mais parece uma cave ou um túnel. O exílio deles numa terra estrangeira deve ter-lhes feito fugir do sol.

De Ghandi Chowk, o Pir Panjal e o sistema himalaico aparecem numa vista panorâmica de quase 180 graus completos, e que fizeram com que as minhas dúvidas sombrias e obsessivas desaparecessem totalmente dos meus pensamentos cansados. Os picos himalaicos de neve na luz matinal apresentavam toda a sua majestade e verdadeira beleza antes os meus olhos. Que jardins escondidos e histórias de morte estavam para ser descobertos e ouvidos nestes vales secretos?



Na tenda do nómada, vi uma imensa multidão de monges tibetanos, os portadores caxemirenses, com as cordas aos ombros e as mulheres hindus vestidas em saris, embrulhadas em xailes indianos, vi-os desvanecerem numa miragem.
Podiam ler-se uns grafitis numa das paredes da estação de Pathankot que diziam: “Leiam os Vedas”. Um poster dos Estudantes Revolucionários estava pendurado mesmo debaixo de outro do partido de direita. No poster lia-se: “ O mundo é seu”.

E com um discurso do tamanho da alma universal e uma voz como trovão, o pedinte com as duas mãos nos ombros dele, guiava o rapaz doente com guirlandas de natal na fronte e vestido como um homem santo, irromperam à minha frente mais parecendo uma visão de outro mundo. Os rapazes tornaram-se homens santos e o sadú era apenas um pedinte arrogante.

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