Friday 15 December 2006

MACAU

a cidade do Santo Nome de Deus
Grossas gotas de suor deslizam do meu rosto, a humidade será o meu fim. Nem a ventoínha pesada do tecto, que rasga o ar da sala com o seu barulho constante e pendular, parece atenuar o meu sofrimento. Foram anunciados tufões. Anseio pelos ventos fortes e pelas chuvas quentes tropicais. As torturas chinesas são as mais crueis.

O rosto que me fita indiferente e asiático espera pacientemente, como um gato que brinca com a sua presa, que eu morra à frente dele, na minha jaula. Só então mexer-se-á subtilmente o canto da boca, no que ele exprimirá satisfação. Os olhos, estes, eu sei, nem pestanejarão, nem acusarão emoção alguma.

O guarda que se mantém do outro lado da grade de ferro, fixa-me há já dois dias, a mão acariciando a longa baioneta da espingarda que ele não larga.

A febre tifóide está a fazer estragos um pouco por todo este lado do rio.

Não descanso, o meu delírio agrava-se de dia para dia.





Ele pediu-me o meu passaporte e desapareceu na porta por detrás do balcão. O funcionário era baixo e gordo, mandou-me sentar nos sofás de cabedal gasto, senti a bandeira vermelha por cima de mim. A sala era mal tratada e só se via um quadro nas paredes, uma vista do mar, atormentado, coberto de pesadas nuvems negras e um rochedo isolado. Preenchi a ficha no balcão e disse-me para esperar. Era a única pessoa na sala e o sol já pálido de Outubro entrava pela janela aberta. Espreitei para fora e vi camiões e a terra. Sorri. Senti a China outra vez. Voltei-me a sentar no sofá de mau gosto, cheguei a pensar que ele ia fazer-me esperar muito tempo. Os funcionários podiam não estar dispostos a trabalhar hoje. O funcionário voltou para o balcão sem o meu passaporte e repetiu para eu esperar. Tentou sair do balcão pela porta de trás mas ela não abriu, ele teve que dar a volta pelo corredor. Também espreitou pela janela e caminhou devagar, as mãos nos bolsos. Quando chamaram da sala ao lado, ele não mexeu nem respondeu, chamaram outra vez e não reagiu, até aparecer um funcionário fardado.

ponte da Amizade


O Mar do Sul da China ou o Rio das Pérolas. A única certeza é a água castanha e turva. Ao fundo, o mar torna-se límpido como uma esperança.

ponte Nobre de Carvalho


Macao, no sentido de quem vem das ilhas, aparece como uma visão desfocada, pouco nítida. "L'enfer du jeu" ironisava um amigo francês, em alusão a um filme. Lembro de ver os vidros, tremerem como se papel fossem, durante os tufões.

Um tigre de papel? Quebraram os vidros? Só debaixo da fúria dos elementos se realizava a pequenês da arrogância. Eu chamava-lhe Sodoma e Gomorra, outros Sin City...



À esquerda, o edifício mais alto de Macau, o Banco da China. Tudo foi planeado, pensado para que fosse o mais imponente; em Hong Kong acontece a mesma coisa. Noblesse oblige.

avenida Almeida Ribeiro


avenida Almeida Ribeiro


macau, rua camilo pessanha nº13.
Macau é uma feira permanente, um formigueiro constante, uma feira popular. A feira permanente é um labirinto gigante de ruas, ruelas de onde não se sai porque provou a água do Lilau, que se misturam e levam sempre ao jogo de mahjong à sombra de um pátio refundido, onde os pássaros nas gaiólas de bambú anseiam por quem os irá passear.

ribeira do Patane


E a Novembro, deixei a cidade cristã, abandonei-a para nunca mais voltar e para me refugiar no bazar chinês. Tomei gosto em me esconder por entre a multidão anónima. Durmo até tarde, deito-me de manhã, a cor da minha pele muda, torno-me mais magro e fumo na cama; passei a frequentar as tascas chinesas nos bairros populares. O arroz come-se de pauzinhos numa malga.

porto interior
Muita poesia se escreveu sobre Macau, talvez devido a sua situação peculiar, ao contacto com o Oriente misterioso; não terei essa pretensão. Macau é uma prisão, uma cidade que quer ser moderna, com uma das maiores densidades populacionais do mundo, algo como um metro quadrado por habitante. Um ambiente claustrofóbico que poucos aguentam sem sofrerem sérios danos mentais.

Acordo com o vizinho do lado, as janelas têm todas grades de ferro por causa dos ladrões, as portas também. O meu vizinho bate na criança de dia e noite, num berreiro de ficar louco, pensei em chamar a polícia, aconselharam-me a não fazê-lo.

O porto interior é o último refúgio dos piratas, Coloane também. Tinha um bonsai seco na minha veranda, após muito esforço e muita poda, consegui que ele desse uma folha. Acabou por morrer solitário, quando fui passear para a China milenar.







rua da Pedra


escada do Muro

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