Saturday 27 October 2007

NEPAL

Budanath


Fui para o Nepal com pouca informação, a ida foi improvisada depois de ter permanecido uns dias em Bodgaya.



Katmandú foi o princípio e o fim da minha estadia no Nepal. Para fugir ao calor insuportável da primavera indiana, resolvi passar a fronteira com o Nepal e subir de altitude. Estavam 40 graus em Lucknow às nove da manhã, só de fazer 100 metros a pé, ficava todo ensopado. Isso em Abril, Maio. Quanto a comer, era impossível. O meu organismo recusava-se a engolir toda e qualquer comida com especiarias locais, simplesmente ardia-me o esófago de tal maneira que não me conseguia alimentar.



Apenas cereais, iogurtes e afins eram aceites. Devo ter perdido uns bons quilos depois de Varanasi. Daí fui para o Bihar. O calor extremo numa das regiões mais pobres da Índia acabou com qualquer resíduo de boa vontade. Tinha de subir. Mudar de altitude. Daí o Nepal.

Swayambunath


A entrada no Nepal faz-se pelo Terai, uma região ainda nas planícies, nos sopés das altas montanhas, com um clima, vegetação e fauna bem próprios. Uma zona ideal para ver elefantes e outros grandes mamíferos. A região também é propícia a surtos de malária, sendo bastante pantanosa.



Depois do Terai, ainda muito parecido com a planície indiana, a estrada sobe gradualmente. Sente-se logo uma diferença tremenda entre os climas de baixa e os de meia altitude. Um alívio para o metabolismo ocidental.



Katmandú é bastante agradável, apesar do extenso folclore hippie, que pelo que percebi, desapareceu praticamente por completo, para dar lugar às habituais encarnações do turismo controlado. Falava-se numa Freak Street, muito famosa nos anos setenta, se a vi não dei por isso.



Katmandú é um sítio porreiro para recarregar as baterias, descansar um bocado, e preparar-se para mais. Daí, queria entrar no Tibete pela única fronteira que liga os dois “países”, mas depois de vãs pesquisas, descobri para o meu mal, que a fronteira estava fechada a viajantes solitários. Quanto a arranjar um grupo com um mínimo de quatro pessoas, e sujeitar-me às tarifas e imposições do turismo chinês, ia ser muito mais complicado.



Fiquei então, umas semanas a vadiar em Katmandú por cafés, livrarias e outros, antes de ir para Jiri e para os altos Himalaias, e depois voltei, ao regressar de Jiri, visto que o Norte é um beco sem saída.



Aproveita-se para ver os sítios locais, se bem que não vi tudo como os ghats, as margens do rio. Como guia, tinha umas fotocópias desactualizadas e pouco mais, foi por isso. No entanto, jóias como Budanath, uma das maiores stupas do universo budista tibetano, não se perdem. Swayabunath, o templo dos macacos, também não.



Como as embaixadas e consulados ficam na capital, aproveitei para tirar um visto para o Paquistão, a minha nova alternativa ao Tibete, e outro somente de trânsito para atravessar a Índia até Amritsar, fronteira como o Paquistão. O visto custou-me uma fortuna, contrariamente ao meu amigo belga, que o obteve por um preço muito mais barato, isso devido a acordos entre os governos.



Pelo que me apercebi, Portugal nem devia constar nas listas deles, nem devia ter relações diplomáticas com o Paquistão, uma miséria. O Yves olhava para mim com cara de gozo, por ter conseguido um visto muito mais barato que o meu. Uma das poucas vitórias dele.



Separámo-nos depois duma caminhada memorável pelos caminhos que levam ao Everest. Segui para a Índia, desta vez pelo lado ocidental do Nepal, e depois até a fronteira com o Paquistão. Não acredito em fenómenos paranormais, mas feito extraordinário, voltei a encontrá-lo várias semanas depois em Pequim, uns bons milhares de quilómetros mais para Norte, e no meio de uma multidão que só mesmo em Pequim, cidade com mais de 11 milhões de habitantes, se consegue ver. Para meu grande espanto, lá estava ele, a apreciar um desses inúmeros bailes populares que são organizados na rua, pelos bairros nos dias quentes de verão.



A esplanada grande ficava mesmo ao lado, bem cheia de gente, de canecas de cerveja e das multidudes de pratinhos chineses que são habituais nestes restaurantes ao ar livre. Coisas de rua.



Costumo dizer para mim próprio, os céus são outros, os deuses são outros. Uma fórmula que não esquecerei, válida também para quem atravessar quaisqueres paragens desconhecidas.

Katmandú


Katmandú - Durbar Square


Saturday 6 October 2007

NEPAL

Jumbesi - Thubten Choling


Após três dias de marcha, chegámos a uma aldeia chamada Jumbesi. Tivemos a sorte incrível de chegar no dia do começo do Buda Purnima, os festejos do aniversário do Buda Shakiamuní, que como é lógico, acontecem apenas uma vez por ano, e segundo o calendário lunar tibetano. Jumbesi é uma pequena aldeia elegante no meio dos montes verdes, e é uma escala interessante de se fazer, dados os mosteiros que se encontram nos seus arredores. Deve receber bastante gente de fora, pelo aspecto atraente e bem cuidado do lugar. Aliás, o trajecto todo deve receber bastantes forasteiros, e deve ser uma fonte de receitas importante, pelo número elevado de locais que estão dispostos a receber visitantes.



Depois de termos explorado a pequena aldeia, juntámo-nos à procissão de pessoas que saíram do templo, carregando as efígies do Buda. Após uma curta marcha pela aldeia, fomos parar ao mosteiro local, onde deixaram as imagens, e onde a população se reuniu no interior. Ofereceram-nos chá e bolachas, ao Yves que ficou mais tempo do que eu, ofereceram almoço, eu saí para explorar as redondezas.
Mais tarde, voltámo-nos a encontrar, e decidimos ir a outro mosteiro, o Thubten Choling que fica mais longe, e que é rodeado por uma aldeia de estudantes budistas, que lá vivem a fim de se formarem em filosofia budista tibetana.

Jumbesi - Buda Purnima


Estávamos a três dias, apenas de Jiri, mas o Yves não quis continuar, alegava que estava cheio, que já tinha caminhado mais de uma semana, com o tal guia das rodadas, e que queria voltar para trás. Para mim, significava continuar com outros viajantes, ou voltar para trás com ele. O objectivo inicial da caminhada que tínhamos combinado entre nós não era chegar ao Everest, mas sim chegar o mais perto possível para se ter a melhor vista possível da dita pirâmide preta. Ora de Jumbesi, não tínhamos vista nenhuma, pelo menos, para o Everest. O Yves cansou-se, e não quis continuar.



Estava um grupo de deusas dinamarquesas na nossa estalagem, com guias, portadores, e material, enfim uma expedição a sério, na qual só faltavam palanquins, e escravos que as carregassem monte acima. Como não me apeteceu juntar ao grupo, e como estava a improvisar já há uns tempos, isto é a viajar sem rota, nem plano, ao sabor da maré e dos ventos, resolvi voltar com ele. Mesmo assim, três dias de ida mais três dias de volta, mais o dia de folga, perfaz uma semana, no Solo Khumbu nepalês, o que deu plenamente para provar as iguarias locais e outros pratos, se bem que tinha continuado de boa vontade. Noutra encarnação se calhar.



Pelo caminho, cruzámo-nos com um dois franceses que voltavam do base-camp do Everest, estavam em estado lastimoso. Disseram-me que o Garcia, o alpinista português que já tinha conseguido uma ascensão ao topo da montanha, estava na região para uma segunda escalada, que foi conseguida como vim a saber depois. Por pouco não nos cruzámos. Garcia tinha perdido um companheiro seu durante a primeira subida. Um cidadão de nacionalidade belga.



Não deixei de fitar, o meu companheiro, também de nacionalidade belga, que fazia a caminhada comigo. Estranha coincidência... A nós não nos aconteceu nada. Chegámos a Jiri, e seguimos para Katmandú. Aproveitámos o desconto de um taxista, que tinha trazido mais uma deusa do alpinismo e o seu guia, há gente que paga caro para terem aventuras extraordinárias, e agências que lhes fazem a vontade. Enfim... Optámos pela versão sem guias nem agências de viagens. Também tem o seu preço, mas muito mais poder de decisão e de escolha.



Vi um lagarto verde de metro e meio atravessar a estrada, quase que provocava um acidente. Deixamos os montes mais altos, e os seus cumes de neve, e voltámos para a selva mais baixa em altitude, das regiões de Katmandú. As paisagens são sempre deslumbrantes, a qualquer altitude.



Como os acontecimentos o provaram em 2007, 2008, as várias regiões que atravessei, estavam repletas de grafitis de tendência comunista, isto pelo país todo, principalmente, muros de aldeias pintadas com ícones comunistas. Coisa que me intrigou na altura mas que viria a perceber, quando os maoístas deram que falar mais tarde. Ao que consta nas últimas notícias, abandonaram, o governo com qual tinham formado uma coligação, por não conseguirem depôr a monarquia absolutista que reina a vários séculos no Nepal. Não me parece que a estabilidade volte tão cedo ao país mais alto do mundo, ambas as facções são culpadas por abusos e crimes que não resolverão de maneira nenhuma, a pobreza extrema que assola o Nepal.







Solo Khumbu - Thado Khola