Tuesday 15 May 2007

PAQUISTÃO

Islamabad/Rawalpindi
Islamabad é a capital do Paquistão, da mesma maneira que Brasília é a capital do Brasil, uma cidade nova, desenhada do nada no papel, pensada no pormenor para ser o centro administrativo e político do país. Aliás basta olhar para o mapa da cidade, as ruas, as avenidas formam ângulos rectos umas com as outras, foram nitidamente desenhadas de régua e esquadro, feitas no atelier do arquitecto.

Rawalpindi é o centro populacional, das multidões, das mesquitas e dos bazares frenéticos, onde convém ficar para se ter um contacto com o Paquistão da rua. Separadas apenas por alguns quilómetros, as duas cidades de características distintas fundiram-se numa só metrópole de duas pontas.



Cheguei a Islamabad ao fim da tarde, de noite, nervoso, não gosto de chegar de noite a sítios que não conheço, por razões óbvias. Fui directamente da fronteira indo-paquistanesa para Islamabad, não parei em Lahore, por causa de boatos e histórias que circulavam sobre roubos, drogas e afins. Fiquei arrependido. Esses boatos provam ser sempre falsos, apesar dos estereótipos e falsas ideias pré-concebidas. Apesar do meu guia da Lonely Planet estar repleto de advertências em relação ao Paquistão, como evitar certas zonas, evitar viajar de noite, entre outras, nunca tive nenhum problema durante a viagem toda, fui bem tratado contrariamente à Índia, onde tive alguns pontos altos e mais quentes. Também não fiquei tanto tempo no Paquistão como na Índia, se calhar é por isso. A não ser um ou outro espertinho, que se encontram sempre pelo caminho, não tenho nada a dizer, talvez devido à hospitalidade muçulmana, ou coisa parecida, não sei. Também não digo que o país todo seja fácil de visitar, o que não é verdade, certas zonas são de facto muito complicadas e longe do poder central, a polícia e o exército não controlam tudo.



Conheci uns franceses mais tarde na China, que também passaram por aí, e mais, tiveram em Peshawar que goza de uma reputação ainda pior, por ser um centro de produção de armas, com fabriquetas artesanais espalhadas pela cidade, que conseguem excelentes réplicas de marcas conhecidas. O problema não é conseguir comprar uma Kalashnikov, o pior é passar a fronteira com ela.

Segundo esses tais amigos franceses, conseguiram passar os check-points e infiltraram-se nas zonas proibidas a estrangeiros.
Em Pattan, contaram que por quaranta rupias ou pouco mais por bala, podiam disparar uma verdadeira arma de combate tomando por alvo uma galinha.



Outro francês, este encontrado em Islamabad em estado avançado de decomposição, contou que se vestia de local, deixava crescer a barba e ia abastecer-se às zonas tribais, fechadas aos estrangeiros. O melhor que há arranja-se nas zonas tribais, dizia ele. Ele já era meio permanente nas redondezas, quando acabava o visto, atravessava a fronteira e voltava outra vez. A polícia costumava apanhá-lo várias vezes, pelos vistos já o conheciam. Apanhavam-no e enfiavam-no num buraco qualquer até ele pagar umas certas quantias que iam directamente para os bolsos da dita cuja justiça. Ao que parece, só o apanhavam para lhe sacar uns dólares, já deviam saber que ele tinha dinheiro.



Fiquei uns tempos sem saber se ia contar esses ″faits divers″, ou se ia manter-me por uma descrição mais turística, mais limpinha da coisa. Acontece que deu um desses domingos na BBC, um documentário sobre crianças, na Índia precisamente, que têm de trabalhar em estado de semi-escravidão para pagar dívidas, que muitas vezes não eram deles. Cheguei à conclusão que a podridão também faz parte da paisagem, que nestes casos está incluída no conjunto e que separá-la seria falsear a testemunha, mas pronto é uma posição. Felizmente histórias destas não faltam, e não posso contá-las todas. Mas porquê, então viajar nestes países, perguntam eles? A resposta pode estar nas fotografias, para quem consegue lê-las. Também passo a lembrar Jack London e ″The Call of the Wild″, só para dar um toque literário ao acontecimento. Nada de Jack Kerouac, peço desculpa a quem o sugeriu.



O posto fronteiriço de Attari/Wagah é o único ponto aberto que liga os dois países, que estão em guerra desde a partição da antiga colónia britânica em 1947, sendo a Caxemira, o pomo da discórdia.

Revistaram-me na fronteira, foram muito simpáticos, mas quando lhes disse que não trazia álcool nenhum comigo, desinteressaram logo da minha mochila e da minha pessoa. Suponho que muita gente se abastece de garrafas de whisky antes de entrar em países islâmicos. Agora, porque que ficaram eles desinteressados quando lhes disse que não trazia álcool? Será que ficam com uma ″percentagem″ para eles? Mistério.

Cheguei a Islamabad de noite, como já referi, mas não houve problema nenhum, o primeiro contacto correu bem, foi devidamente orientado para o centro da metrópole sem confusão nenhuma.



A minha mochila era de cor verde, uma ″Fila″ de dois tons verdes, que diga-se de passagem é a cor do Islão, o que a tornou relativamente sagrada, e me valeu um certo respeito. Os meus sapatos eram ″bordeaux″ o que também é a cor do Budismo tibetano, o que fazia deles segundo constava, uns sapatos santos. Enfim...



Queria também salientar que os céus são outros por estas paragens, e daí que os deuses também são outros, o que é um facto muito importante, e a ter constantemente em conta ao longo do caminho, convém sempre ter os deuses locais como aliados, é sempre uma vantagem. Um ou dois, ou mais de reserva, pelo sim pelo não.



Cheguei a Islamabad, a cidade estava em greve geral e protestos relativamente violentos estavam a ter lugar. O grosso da coisa tinha passado, mas ainda subsistiam focos de discórdia, essencialmente montes de pneus a arder um pouco por todo o lado. As lojas e os principais serviços estiveram fechados durante semanas, foi-me bastante difícil transferir dinheiro. Aliás, não consegui, devia ter tratado disso em Amritsar na Índia, paciência. Resolvi, no entanto continuar para Norte, e logo se veria na China. Tirei um visto chinês e fiz-me ao Karakoram. Direcção Mansehra.













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1 comment:

asianuxxx said...
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